A Influência da Posição do Implante e da Prótese na Ocorrência de Peri-implantite
Um Estudo Retrospectivo com Radiografias Periapicais
A implantodontia osseointegrada revolucionou a reabilitação oral, oferecendo uma solução duradoura para pacientes edêntulos parciais ou totais. Com taxas de sobrevivência elevadas a longo prazo, os implantes dentários tornaram-se um tratamento de escolha para muitos profissionais e pacientes. No entanto, como qualquer procedimento médico, não está isento de complicações.
A peri-implantite emerge como uma das principais preocupações neste cenário. Caracterizada pela inflamação dos tecidos peri-implantares, perda óssea radiográfica e aumento da profundidade de sondagem ao longo do tempo, esta condição pode comprometer o sucesso do tratamento e levar à perda tardia do implante. Estudos epidemiológicos recentes apontam para uma prevalência variável, mas potencialmente significativa, afetando tanto pacientes quanto implantes individuais.
Neste contexto, o presente estudo retrospectivo foi concebido com um objetivo principal claro: investigar a influência do mau posicionamento do implante na ocorrência de peri-implantite. Esta questão surge da plausibilidade biológica de que um implante mal posicionado poderia criar condições desfavoráveis para a manutenção da saúde peri-implantar. Adicionalmente, como objetivo secundário, buscou-se analisar o impacto de uma gama de características relacionadas ao implante, paciente e prótese nos desfechos clínicos a longo prazo.
Como foi o estudo?
O estudo adotou uma abordagem retrospectiva, analisando registros clínicos e radiográficos de pacientes tratados com reabilitações implantossuportadas unitárias e parciais. Para garantir um acompanhamento significativo, estabeleceu-se um critério mínimo de 1 ano após o carregamento protético.
Os critérios de inclusão foram cuidadosamente delineados para minimizar variáveis confundidoras. Selecionaram-se pacientes sistemicamente saudáveis, excluindo condições que pudessem afetar o metabolismo ósseo. Todos os implantes incluídos apresentavam superfície moderadamente rugosa, um padrão amplamente utilizado na prática clínica contemporânea. Além disso, exigiu-se a participação dos pacientes em um programa de manutenção com recalls anuais, assegurando um acompanhamento profissional regular.
O mau posicionamento do implante, variável central do estudo, foi definido com base nos critérios estabelecidos por Buser et al. em 2004. Estes critérios consideram as distâncias mésio-distal e ápico-coronal em relação aos dentes adjacentes, fornecendo parâmetros objetivos para a avaliação. Especificamente, considerou-se mau posicionamento quando o implante não atendia a pelo menos um dos seguintes critérios:
Distância mínima de 1,5 - 2 mm entre o colo do implante e o dente adjacente (mésio-distal).
Distância ápico-coronal entre 1 mm e 2,5 mm do colo do implante à junção cemento-esmalte dos dentes adjacentes.
Distância mínima de 3 mm entre os colos de dois implantes adjacentes.
O diagnóstico de peri-implantite, desfecho primário do estudo, seguiu os critérios propostos por Berglundh et al. em 2018. Estes incluem a presença de sinais de inflamação (sangramento e/ou supuração à sondagem) e perda óssea radiográfica além da remodelação óssea inicial esperada.
Uma ampla gama de parâmetros foi coletada para cada caso, abrangendo três categorias principais:
Fatores relacionados ao implante: tipo, comprimento, diâmetro, posição vertical, distâncias aos dentes adjacentes e ângulo em relação aos dentes vizinhos.
Fatores relacionados ao paciente: idade, sexo, status de tabagismo, presença/histórico de doença periodontal.
Fatores relacionados à prótese: tipo (coroa unitária ou prótese parcial fixa), método de fixação (parafusada ou cimentada), presença de platform switching, altura da coroa, extensão de cantilever protético e ângulo do perfil de emergência.
As medidas radiográficas foram realizadas utilizando software especializado, com calibração prévia dos examinadores para garantir confiabilidade.

Resultados Principais e Análise
A amostra final compreendeu 180 implantes de 90 pacientes, com uma distribuição equilibrada entre gêneros (57 mulheres e 33 homens). A idade média dos participantes foi de 56 anos, com um tempo médio de acompanhamento de 6,4 anos.
Contrariando a hipótese inicial, o mau posicionamento do implante não apresentou associação estatisticamente significativa com a ocorrência de peri-implantite. Entre os 52 implantes classificados como mal posicionados, apenas 11 desenvolveram peri-implantite, não diferindo significativamente da proporção observada em implantes bem posicionados.
O histórico de doença periodontal aumentou em quase seis vezes o risco de peri-implantite, corroborando estudos anteriores que identificaram esta condição como um fator de risco significativo. Este achado ressalta a importância de um manejo cuidadoso e um acompanhamento mais rigoroso em pacientes com histórico periodontal.
O resultado mais surpreendente e potencialmente impactante para a prática clínica foi a forte associação entre o ângulo de emergência protética acentuado (≥ 45°) e o desenvolvimento de peri-implantite. Implantes com restaurações apresentando este perfil de emergência tiveram um risco nove vezes maior de desenvolver a condição.
Uma análise complementar explorou os fatores associados ao ângulo de emergência protética. Identificou-se que a distância entre o implante e o dente adjacente, bem como a posição ápico-coronal do colo do implante em relação à junção cemento-esmalte dos dentes vizinhos, influenciaram significativamente este parâmetro protético.
Implicações Clínicas
A ausência de associação significativa entre o mau posicionamento do implante e a peri-implantite contrasta com alguns estudos prévios e hipóteses clínicas. Este resultado inesperado pode ser atribuído a diversos fatores, incluindo as limitações inerentes à avaliação bidimensional do posicionamento através de radiografias periapicais. É possível que aspectos tridimensionais do posicionamento, não capturados nesta análise, possam ter relevância clínica.
Por outro lado, a confirmação do histórico de doença periodontal como fator de risco significativo reforça a necessidade de protocolos de tratamento e manutenção específicos para este grupo de pacientes. Estratégias de prevenção intensificadas, incluindo intervalos de manutenção mais curtos e um programa de higiene oral rigoroso, devem ser implementadas para pacientes com histórico periodontal submetidos a tratamento com implantes.
O achado mais impactante do estudo, a forte associação entre o ângulo de emergência protética acentuado e a peri-implantite, tem implicações diretas para o planejamento e execução de reabilitações implantossuportadas. Este resultado sugere que o design protético, particularmente o perfil de emergência, pode ser tão ou mais importante que o posicionamento do implante em si na prevenção de complicações biológicas.
Clinicamente, isso implica que os profissionais devem priorizar a criação de perfis de emergência mais suaves, evitando ângulos superiores a 45°. Tal abordagem facilitaria a higienização pelo paciente e criaria um ambiente mais favorável para a manutenção da saúde peri-implantar. Para alcançar este objetivo, o planejamento reverso torna-se crucial, considerando não apenas o posicionamento ósseo ideal do implante, mas também sua relação com a futura restauração protética.
A análise complementar, que identificou a influência da posição do implante no ângulo de emergência protética, ressalta a interconexão entre as fases cirúrgica e protética do tratamento. Um posicionamento tridimensional adequado do implante é fundamental para permitir a confecção de uma prótese com perfil de emergência favorável. Isto reforça a importância de uma abordagem interdisciplinar, com comunicação efetiva entre cirurgião e protesista desde as fases iniciais do planejamento.
Limitações e Perspectivas Futuras
Apesar dos achados significativos, é importante reconhecer as limitações deste estudo. O desenho retrospectivo, embora permitindo a análise de um período de acompanhamento considerável, limita a capacidade de estabelecer relações causais definitivas. O tamanho amostral, ainda que adequado para as análises realizadas, pode não ter sido suficiente para detectar associações mais sutis.
A utilização de radiografias bidimensionais para avaliação do posicionamento do implante representa outra limitação importante. Aspectos tridimensionais do posicionamento, como a inclinação vestíbulo-lingual, não puderam ser adequadamente avaliados. Estudos futuros utilizando tomografia computadorizada de feixe cônico (TCFC) poderiam fornecer uma análise mais compreensiva do posicionamento do implante e sua relação com os desfechos clínicos.
A definição de mau posicionamento adotada, baseada nos critérios de Buser et al. (2004), embora amplamente aceita, foi originalmente proposta com foco em resultados estéticos. Futuros estudos poderiam explorar definições alternativas de mau posicionamento, possivelmente mais relevantes para o desenvolvimento de complicações biológicas.
Pesquisas prospectivas, com um acompanhamento padronizado e avaliações clínicas e radiográficas em intervalos regulares, seriam valiosas para confirmar e expandir os achados deste estudo. Além disso, a inclusão de um maior número de variáveis, como características da mucosa peri-implantar e padrões de colonização microbiana, poderia fornecer uma compreensão mais abrangente dos fatores que influenciam o desenvolvimento da peri-implantite.
Em conclusão, este estudo fornece informações valiosas sobre os fatores associados ao desenvolvimento de peri-implantite, destacando a importância do design protético e do manejo de pacientes com histórico periodontal. Embora o mau posicionamento do implante, conforme definido neste estudo, não tenha demonstrado associação significativa com a peri-implantite, a interrelação entre posicionamento do implante, design protético e saúde peri-implantar permanece um tópico crucial para investigação futura. Os resultados obtidos reforçam a necessidade de uma abordagem completa no planejamento e execução de tratamentos com implantes, considerando fatores cirúrgicos, protéticos e específicos do paciente para otimizar os resultados a longo prazo.
Referências
Buser D, Martin W, Belser UC (2004) Optimizing esthetics for implant restorations in the anterior maxilla: anatomic and surgical considerations. Int J Oral Maxillofac Implants 19(Suppl):43–61
Berglundh T, Armitage G, Araujo MG, Avila-Ortiz G, Blanco J, Camargo PM, Chen S, Cochran D, Derks J, Figuero E, Hammerle CHF, Heitz-Mayfeld LJA, Huynh-Ba G, Iacono V, Koo, Lambert F, McCauley L, Quirynen M, Renvert S, Salvi GE, Schwarz F, Tarnow D, Tomasi C, Wang HL, Zitzmann N (2018) Peri-implant diseases and conditions: Consensus report of workgroup 4 of the 2017 World Workshop on the Classifcation of Periodontal and Peri-Implant Diseases and Conditions. J Periodontol 89(Suppl 1):S313–S318.
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