ANVISA, a toxina botulínica e o BOTULISMO.
Entre o dever de informar e o risco de desinformação
O que não faltam nos dias de hoje são conteúdos sensacionalistas e despregados da realidade. Usualmente criados por influencers em troca de cliques e likes. É o jogo desse mundo de rede social.
Mas e quando uma autarquia ou agência reguladora federal faz isso?
Uma nota recentemente emitida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sobre os supostos riscos de “botulismo” associados à administração de toxina botulínica para fins estéticos e terapêuticos gerou um pânico estranho nos nossos grupos de profissionais e até respingou em pacientes cancelando tratamentos depois de saber da “notícia” e dos riscos…
Embora o papel da agência na proteção da saúde pública seja indiscutivelmente vital (e somos fãs do trabalho da Anvisa por muitos motivos), a forma como esta informação foi apresentada merece uma análise crítica pela comunidade científica, e é isso que faremos a seguir…
Imprecisões técnicas
Um ponto citado no texto:
A Agência solicitou que as empresas com produtos registrados com toxina botulínica incluam em bula o risco de que a toxina pode afetar áreas distantes do local da injeção, com a possibilidade de causar sintomas graves de botulismo.
Vejo aqui confusão conceitual grave entre efeitos adversos potenciais – que são conhecidos, documentados e geralmente transitórios – e o quadro clínico da doença botulismo propriamente dita.
Até porque, o EFEITO DESEJÁVEL da toxina botulínica é justamente o principal sintoma do botulismo: fraqueza muscular.
Ainda que em um quadro infeccioso do botulismo esta seja progressiva e tende a ser generalizada, é justamente por isso que utilizamos a toxina botulinica, para reduzir as forças musculares, neste caso, seletivamente.
A toxina botulínica utilizada em procedimentos médicos é altamente purificada e administrada em doses significativamente inferiores àquelas necessárias para produzir um quadro de botulismo sistêmico. Há décadas de evidências científicas respaldando a segurança destes procedimentos quando realizados dentro dos parâmetros recomendados, o que torna o tom alarmista da nota ainda mais questionável.
Confusão entre botulismo e eventos adversos
No texto divulgado, a Anvisa também afirma que:
Recentemente recebeu duas notificações de casos de botulismo relacionados à administração de toxina botulínica
Esta afirmação tem tanta coisa faltando… Seriam efetivamente casos de botulismo, com confirmação laboratorial, ou casos com sintomas que mimetizam alguns aspectos do botulismo?
A distinção não é meramente semântica. Primeiro, caberia informar que o que é descrito na notificação nos parece um quadro de botulismo iatrogênico, não infeccioso. Explico:
O botulismo clássico é resultado de uma infecção ou intoxicação pela bactéria Clostridium botulinum em que a toxina botulínica produzida pela bactéria DENTRO do organismo atinge o sistema nervoso, seja por consumo de alimentos contaminados (botulismo alimentar), infecção bacteriana em feridas (botulismo por ferimento), ou colonização intestinal pela bactéria (botulismo intestinal).
Já o botulismo iatrogênico, no contexto do uso medicinal de toxina botulínica, seria uma complicação rara causada pela disseminação não intencional da toxina (não da bactéria) para além do local de aplicação terapêutica ou estética, resultando em sintomas sistêmicos semelhantes ao botulismo clássico como consequência direta de um procedimento médico.
Bem diferente. Afirmar simplesmente que “uso de toxina botulinica causou botulismo” é pra causar um pânico desnecessário.
Já os efeitos adversos da toxina botulínica aplicada medicinalmente referem-se a reações localizadas ou, em casos raros, difusão da toxina para áreas adjacentes causando fraqueza muscular transitória.
A própria Anvisa parece reconhecer esta contradição ao afirmar posteriormente que "o medicamento contendo toxina botulínica utilizado para fins terapêuticos e estéticos contém uma forma diluída e purificada da toxina botulínica", mas falha em conectar adequadamente esta informação com o alerta emitido. O que nos leva para o próximo ponto:
A questão dose-dependência ignorada
É bem estabelecido na literatura científica que seriam necessárias aproximadamente 3.000 unidades de toxina botulínica (usamos a referência do Botox® neste ponto) para potencialmente causar um quadro de botulismo iatrogênico sistêmico – quantidade exponencialmente superior às utilizadas em procedimentos mais comuns (geralmente entre 50-100 unidades nos tratamentos estéticos, 200 se utilizar em quadros de enxaqueca ou cefaleia tensional).
Quando a Anvisa afirma que "a toxina pode afetar áreas distantes do local da injeção", ela omite que este risco está diretamente relacionado à dose e técnica de aplicação.
Por exemplo: a aplicação de toxina em fronte para fins estéticos que afeta “áreas distantes” pode causar uma ptose de pálpebra transitória, não uma disfagia ou dificuldade respiratória, por exemplo. Virtualmente impossivel causar um dano tão grande tanto pela dose como pela área tratada, entende?
Estes limites não foram estabelecidos pelo comunicado. Neste, se coloca em um mesmo balaio tratamentos estéticos que utilizam baixas doses com quadros distonias mais sérios que utilizam altas doses com 400, 500 unidades por aplicação, o que aumenta o risco de um botulismo iatrogênico pela migração do medicamento.
Mais um aspecto que causa pânico pela desinformação.
Tratamento recomendado inadequado
Outro ponto extremamente problemático é a recomendação terapêutica presente no alerta. E ficou confuso no texto original, não estava claro se referiam ao botulismo infeccioso ou às complicações de uso do medicamento:
A aplicação imediata de antitoxina botulínica é crucial para neutralizar a toxina no sangue e prevenir a progressão da paralisia e possíveis complicações.
Esta orientação é tão, tão inadequada para casos de eventos adversos pós-aplicação estética ou terapêutica de toxina botulínica que cabem explicações também:
A antitoxina botulínica é eficaz apenas para neutralizar toxinas circulantes no sangue, como nos casos de intoxicação alimentar por Clostridium botulinum, e não para a toxina já internalizada em terminações nervosas após administração intramuscular controlada.
Porque? Porque depois de aplicada, a internalização na terminação nervosa acontece em grande parte nos primeiros 20-30 minutos da aplicação. Em 4 horas já não tem nenhum medicamento “solto” para ser supostamente neutralizado.
E com quanto tempo você descobre que houve migração do medicamento? Com sorte, 2 ou 3 dias. Ou seja, em nada a antitoxina funcionaria.
Pior! A própria antitoxina apresenta riscos significativos, incluindo reações anafiláticas graves. Sua administração desnecessária poderia representar um risco adicional ao paciente, superando em muito qualquer benefício teórico – um clássico exemplo de intervenção potencialmente mais prejudicial que o problema original.
Ausência de contexto e diferenciação
O comunicado falha em diferenciar claramente os riscos associados a aplicações estéticas (doses menores) daqueles relacionados a condições terapêuticas como distonias ou espasticidade (doses maiores). Esta falta de especificidade resulta em uma generalização incorreta que pode induzir pacientes e até mesmo profissionais menos experientes a conclusões equivocadas.
Os sintomas iniciais do botulismo incluem visão borrada, pálpebras caídas, fala arrastada e dificuldade para engolir e respirar, afirma o texto da Anvisa.
Ora! Sintomas como ptose palpebral transitória (com duração de 2 a 6 semanas) podem ocorrer como efeito adverso em alguns casos de toxina para uso estético, mas isso está muito distante de um sintoma inicial de botulismo. A falta de clareza na apresentação destas informações contribui para o alarmismo desnecessário.
O Pânico Desproporcional
Comunicações alarmistas e imprecisas ultrapassa a esfera da mera desinformação. Para muitos pacientes com condições médicas como distonias cervicais, espasticidade pós-AVC ou bexiga neurogênica, a toxina botulínica representa um tratamento fundamental que melhora significativamente sua qualidade de vida.
O pânico injustificado pode levar à interrupção desses tratamentos, resultando em sofrimento desnecessário. Até mesmo no campo estético, onde as aplicações são realizadas em doses significativamente menores, a disseminação de medos infundados pode levar pacientes a buscarem alternativas estéticas menos regulamentadas, paradoxalmente aumentando os riscos reais.
Reconhecemos, e muito, o papel fundamental da Anvisa na proteção da saúde pública brasileira. Justamente por isso, é imperativo que suas comunicações sejam não apenas precisas, mas baseadas nas melhores evidências científicas disponíveis. e também contextualizadas adequadamente.
As imprecisões técnicas, a falta de contexto e as recomendações terapêuticas inadequadas comprometem a credibilidade da informação e, potencialmente, a confiança pública na instituição que já foi abalada desmerecidamente durante o período da pandemia da Covid-19.
Somente através de uma comunicação precisa, contextualizada e embasada cientificamente poderemos garantir que os pacientes e profissionais tomem decisões verdadeiramente informadas – o objetivo final de qualquer agência reguladora comprometida com a saúde pública.
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