Toxina Botulínica pode aumentar o sucesso dos Implantes de Carga Imediata
Protocolo, Evidências e Considerações Clínicas para Pacientes com Bruxismo
Os implantes de carga imediata têm se tornado uma opção de tratamento cada vez mais popular na reabilitação oral, oferecendo aos pacientes a possibilidade de restaurar a função e a estética dentária em um curto período de tempo. No entanto, o sucesso dos implantes de carga imediata depende de diversos fatores, incluindo a estabilidade primária do implante, a qualidade óssea e a distribuição das forças oclusais. Nesse contexto, a aplicação da toxina botulínica tem se mostrado uma estratégia promissora para otimizar os resultados dos implantes de carga imediata.
A toxina botulínica, conhecida por seu uso em procedimentos estéticos, tem ganhado espaço na odontologia devido às suas propriedades na paralisia seletiva neuromuscular. Quando injetada nos músculos mastigatórios, a toxina botulínica promove um relaxamento muscular temporário, reduzindo a intensidade das forças oclusais aplicadas sobre os implantes. Essa redução das forças pode ser particularmente benéfica durante a fase inicial de cicatrização, quando a estabilidade do implante é crucial para o sucesso da osseointegração.
A aplicação da toxina botulínica em implantes de carga imediata baseia-se na premissa de que a diminuição das forças oclusais pode favorecer a estabilidade do implante, reduzir o risco de micromovimentação e promover uma melhor integração entre o implante e o tecido ósseo circundante. Além disso, ao modular a atividade muscular, a toxina botulínica pode contribuir para um ambiente biomecânico mais favorável, otimizando a distribuição das cargas oclusais e minimizando o estresse sobre os implantes e próteses.
Evidências Científicas e Resultados Clínicos
As evidências científicas têm demonstrado resultados significativamente positivos em relação ao uso da toxina botulínica em implantodontia. Um estudo prospectivo conduzido por Mijiritsky et al. [9] avaliou 19 pacientes que receberam 152 implantes em alvéolos frescos, observando taxa de sobrevivência de 99,3% após 4 meses. Este resultado é particularmente relevante considerando que todos os pacientes apresentavam bruxismo, um fator tradicionalmente considerado de risco para implantes de carga imediata.
Uma revisão sistemática conduzida por Wever et al. revelou que pacientes tratados com BTX-A apresentaram taxa de sobrevivência dos implantes de 99,2%, comparada a 93,7% nos grupos controle [3]. Estes dados sugerem fortemente que a aplicação da toxina pode ser um diferencial importante no sucesso do tratamento.
Protocolo de Aplicação
A aplicação da toxina botulínica tipo A (BTX-A) nos músculos da mastigação tem como objetivo principal reduzir temporariamente as forças oclusais excessivas que podem comprometer a estabilidade inicial do implante durante a fase crítica de cicatrização e osseointegração.
O protocolo de aplicação da BTX-A geralmente envolve injeções intramusculares nos músculos masseter e temporal, que são os principais responsáveis pela força mastigatória [1]. A BTX-A age bloqueando a liberação de acetilcolina nas junções neuromusculares, levando a uma diminuição da contração muscular. Essa redução da atividade muscular atenua as cargas oclusais sobre os implantes, proporcionando um ambiente biomecânico mais favorável para a osseointegração [2].
Anatomia e Técnica de Aplicação
A seleção dos músculos a serem tratados e dos pontos de injeção requer conhecimento preciso da anatomia muscular facial. No músculo masseter, principal alvo da toxina para controle do bruxismo, as injeções são realizadas na porção inferior, evitando as fibras mais anteriores e profundas devido à proximidade com o nervo facial, glândula parótida e músculo zigomático [3]. Já no músculo temporal, quando incluído no protocolo, os pontos de aplicação se concentram na região de maior volume muscular, anteriormente [2].
Dosagem e Técnica de Injeção
A dosagem de BTX-A recomendada pode variar dependendo da avaliação individual de cada paciente. Fatores como massa muscular, intensidade das forças oclusais e histórico de resposta a tratamentos prévios com toxina botulínica são levados em consideração para determinar a dose ideal [4].
Em geral, os estudos clínicos apontam que as doses utilizadas para o músculo masseter variam de 25 a 50 unidades de BTX-A por lado [5,6,7]. Essa quantidade é distribuída em 2 a 5 pontos de injeção, geralmente na porção inferior do músculo, com cerca de 1cm de distância entre eles [8]. A aplicação em múltiplos pontos permite uma melhor distribuição da toxina e um efeito mais uniforme, ainda que aumente os riscos de estravasamento do medicamento para a musculatura adjacente.
Para o músculo temporal, quando este é incluído no tratamento, a dose usual é de 20 a 25 unidades de BTX-A por lado, distribuídas em 2 ou 3 pontos na área de maior espessura muscular, também com espaçamento de aproximadamente 1cm [2].
Timing da Aplicação
O momento ideal para a realização das injeções de BTX-A em relação à cirurgia de implante é um fator importante a ser considerado para obter os melhores resultados. A maioria dos estudos recomenda que a aplicação seja feita no pré-operatório, geralmente 1 a 2 semanas antes da instalação dos implantes [1,4].
Esse intervalo permite que o efeito da BTX-A já esteja presente no momento da cirurgia e durante o período inicial de cicatrização, quando a estabilidade do implante é mais crítica. A redução da força mastigatória proporcionada pela ação da toxina nessa fase inicial minimiza os riscos de micromovimentações e sobrecarga oclusal, fatores que podem comprometer a osseointegração [9].
Alguns autores também relatam protocolos com aplicação da BTX-A imediatamente após a cirurgia de implante [10], porém a abordagem pré-operatória parece ser a mais utilizada e fundamentada. Como o pico de ação da toxina ocorre cerca de 2 semanas após a injeção, a aplicação antes da cirurgia garante que os benefícios já estejam presentes no momento da instalação do implante e perdurem durante as primeiras semanas de cicatrização [4].

Período de Ação e Efetividade
É importante ressaltar que o efeito da BTX-A é temporário, com duração média de 3 a 4 meses [4]. Portanto, o controle do bruxismo e forças mastigatórias proporcionado pela toxina se concentra justamente no período mais delicado para a estabilidade dos implantes com carga imediata. Após esse período, espera-se que a osseointegração já esteja estabelecida e o implante seja capaz de suportar as cargas mastigatórias normais [1].
Considerações Clínicas e Manejo do Paciente
A seleção adequada dos pacientes é fundamental para o sucesso do tratamento com BTX-A em implantes de carga imediata. Uma avaliação criteriosa deve incluir não apenas o diagnóstico preciso do bruxismo, mas também uma análise detalhada da condição sistêmica do paciente, qualidade óssea e padrão oclusal [4]. Em pacientes com quadros de DTM, em especial com dores nos musculos mastigatórios mais profundos como os pterigoides lateral e media, podem ser uma contra-indicação ao uso da técnica.
Contraindicações e Precauções
Entre as contraindicações absolutas para o uso da BTX-A, destacam-se:
Doenças neuromusculares como Miastenia Gravis
Hipersensibilidade conhecida aos componentes da formulação
Infecção ativa no local da aplicação
Gravidez e lactação
É essencial realizar uma anamnese detalhada e considerar possíveis interações medicamentosas, especialmente com antibióticos aminoglicosídeos, que podem potencializar o efeito da toxina e suas reações adversas [3].
Acompanhamento Pós-operatório
O acompanhamento regular do paciente após a aplicação da BTX-A é crucial para monitorar:
A resposta muscular ao tratamento
A adaptação do paciente às mudanças na força mastigatória
A estabilidade dos implantes
Possíveis efeitos colaterais
Recomenda-se realizar avaliações periódicas nas primeiras semanas após a aplicação, com especial atenção aos sinais de osseointegração, mobilidade dos implantes e à distribuição das forças oclusais [9].
Prevenção das Complicações Protéticas
As próteses sobre implantes em pacientes com bruxismo representam um desafio particular na implantodontia devido ao aumento significativo das complicações mecânicas. O bruxismo, caracterizado por forças oclusais excessivas e movimentos parafuncionais, pode exercer cargas destrutivas sobre o sistema prótese-implante, comprometendo sua longevidade e função. A aplicação da toxina botulínica tipo A (BTX-A) pode ser considerada como uma estratégia terapêutica promissora na prevenção e manejo destas complicações.
As fraturas de porcelana constituem uma das complicações mais frequentes em próteses implantossuportadas em pacientes bruxômanos. Estas fraturas podem variar desde pequenos lascamentos (chipping) até fraturas extensas que comprometem a função e estética da restauração. As forças oclusais excessivas geradas pelo bruxismo podem criar pontos de tensão na interface metal-cerâmica, levando a falhas por fadiga do material. Estudos clínicos têm demonstrado que a redução da força muscular proporcionada pela BTX-A pode diminuir significativamente a incidência destas fraturas, especialmente durante os primeiros meses após a instalação da prótese [11,12].
O afrouxamento de componentes protéticos, particularmente parafusos de retenção e pilares, representa outra complicação frequente em pacientes com bruxismo. Este problema está diretamente relacionado à magnitude e direção das forças oclusais, que podem causar micromovimentações nos componentes protéticos. A literatura reporta que pacientes bruxômanos apresentam taxas significativamente mais altas de afrouxamento de parafusos quando comparados a pacientes sem hábitos parafuncionais. A modulação da força muscular através da BTX-A tem demonstrado resultados interessantes na redução desta complicação, proporcionando maior estabilidade aos componentes protéticos [8,9].
Considerações Específicas para Próteses Híbridas
O desgaste excessivo dos materiais restauradores é uma preocupação particular em próteses implantossuportadas, especialmente quando materiais como resina acrílica ou cerâmicas menos resistentes são utilizados. Em pacientes com bruxismo, este desgaste pode ser acelerado, levando à perda prematura da anatomia oclusal, alterações na dimensão vertical e comprometimento estético. A aplicação estratégica da BTX-A, ao reduzir a força mastigatória durante o período crítico de adaptação, pode contribuir para a preservação dos materiais restauradores e manutenção da anatomia oclusal [4,7].
As próteses híbridas metal-resina merecem atenção especial devido à sua maior susceptibilidade a falhas mecânicas. Estas próteses, que combinam uma infraestrutura metálica com dentes e base em resina acrílica, são particularmente vulneráveis às forças exercidas pelo bruxismo. Complicações comuns incluem fratura dos dentes de resina, descolamento dos dentes da base acrílica e deformação da infraestrutura metálica. Estudos clínicos têm reportado taxas de complicações de até 40% em um período de 5 a 10 anos em pacientes com bruxismo não tratado [12].
Uma meta-análise conduzida por Chrcanovic et al. [11] demonstrou que pacientes com bruxismo apresentam um risco quase 5 vezes maior de desenvolver complicações protéticas quando comparados a pacientes sem o hábito parafuncional. Este dado alarmante ressalta a importância de estratégias preventivas, como a aplicação da BTX-A.
A eficácia da BTX-A na prevenção de complicações protéticas está relacionada não apenas à redução da magnitude das forças oclusais, mas também à modulação do padrão de atividade muscular. Ao promover um relaxamento seletivo dos músculos mastigatórios, a toxina botulínica pode favorecer um padrão mais fisiológico de distribuição de forças, minimizando sobrecargas localizadas e reduzindo o risco de falhas mecânicas nos componentes protéticos [1,2].
É importante ressaltar que a aplicação da BTX-A deve ser considerada como parte de uma abordagem multifatorial no manejo de pacientes com bruxismo e próteses sobre implantes. A integração com outras estratégias, como o uso de placas oclusais, ajustes oclusais periódicos e seleção adequada de materiais restauradores, é fundamental para otimizar os resultados a longo prazo e garantir a longevidade das reabilitações implantossuportadas.
Perspectivas Futuras e Necessidades de Pesquisa
Embora os resultados atuais sejam promissores, ainda existem aspectos que necessitam de maior investigação:
Protocolos específicos para diferentes tipos de prótese
Correlação entre dosagem e resultado clínico
A padronização dos protocolos de aplicação e o desenvolvimento de estudos longitudinais com amostras maiores são necessários para estabelecer diretrizes mais precisas para o uso da BTX-A em implantodontia.
Referências
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