Blau Farmacêutica está jogando caxangá com suas toxinas botulínicas
Porque a Blau Farmacêutica manteve a marca Botulim mas mudou seu ativo sem avisar ninguém?
Empresas sérias têm um departamento de Compliance.
Se você nunca ouviu esse jargão corporativo, basta saber que este é um setor que orienta/direciona/supervisiona um conjunto de práticas e procedimentos para garantir que a empresa e suas atividades estejam em conformidade com leis, regulamentos, normas internas e padrões éticos.
É meio o Grilo Falante da empresa. Sabe o que ficava acompanhando o Pinocchio, sendo sua voz da consciência, alertando para riscos, o que é correto, o que não é, etc? Pois então. É a mesma coisa.
Mas, às vezes, jogam um martelo de madeira no Grilo Falante, e a Fada Azul ainda não estava perto pra ressucitá-lo.
E bem nessas horas é que a empresa meio que se desgoverna em algumas coisas, e é isso que quero falar: como a Blau Farmacêutica está dando um cavalo de pau com os próprios códigos de conduta e agindo de forma antiética e, por que não, perigosa ao não informar claramente seus clientes (médicos e pacientes) de algumas mudanças relevantes nas suas toxinas botulínicas. Vou explicar:
No universo da saúde, a confiança é inegociável. E o nome de um medicamento é um contrato de consistência entre o fabricante, o médico e o paciente.
Se um médico, dentista ou outro profissional prescreve um medicamento indicando expressamente que não pode haver substituição a farmácia é obrigada a vender exclusivamente o medicamento prescrito, sem possibilidade de trocas ou substituições por genéricos. Nesse caso, o profissional está exercendo seu direito de indicar que aquele medicamento específico é essencial para o tratamento do paciente, e a farmácia deve respeitar essa determinação. A farmácia não pode ofertar alternativas genéricas nem medicamentos de outras marcas, mesmo que o paciente solicite, pois estaria desrespeitando a prescrição do profissional e a orientação clínica fornecida.
E vou além. Mesmo no caso em que pode acontecer a substituição do medicamento referência por um genérico, o nome do laboratório conta muito nessa escolha. Usualmente, para pacientes mais informados, a reputação do laboratório se traduz em confiança de determinado medicamento.
A Blau Farmacêutica, no entanto, rasgou esse contrato com uma manobra de marketing e uma brecha regulatória que não só confunde o mercado, mas desafia frontalmente a ética e a segurança do paciente.
A empresa não apenas trocou o princípio ativo de seu conhecido produto “Botulim”, mas o fez através de um complexo “jogo de marcas” que esconde a verdade: o Botulim que está hoje nas prateleiras não tem qualquer relação com o original, sendo na verdade um clone de outro produto já existente.
Pra entender o tamanho da irresponsabilidade corporativa, é necessário seguir a cronologia dos fatos (e vou colocar uns prints da ANVISA e outros links para você conferir na fonte):
O Botulim Original: A Identidade da Hugel
Durante anos, o mercado brasileiro conheceu o Botulim como a toxina botulínica fabricada pela sul-coreana Hugel, Inc. e distribuída pela Blau.
A Botulim, portanto, era fabricada pela Hugel lá na Coreia do Sul, em duas plantas (fábricas), e ao chegar no Brasil, a Blau Farmaceutica fazia somente o embalamento secundário (ou seja: colocar na caixinha de cartolina, colocar a bula, tudo para apresentação do produto e facilitar a distribuição).

Este medicamento teve seu registro cancelado no dia 16 de janeiro de 2025 por TRANSFERÊNCIA DE TITULARIDADE. O que isso significa? É o processo utilizado dentro da ANVISA para transferir o registro de um produto de uma empresa para outra. Este cancelamento foi publicado no Diário Oficial do dia 20 de janeiro de 2025:

E pra quem foi transferido? isso se explica na resolução seguinte, publicado no mesmo jornal:

Conforme falamos em 2 momentos neste site (aqui e aqui) o Botulim antigo é o mesmo que o atual Letybo, aí em cima você mais uma comprovação do que falo. Olha como está o registro do Letybo:

E a própria BLAU, por ser listada na bolsa, deve informar aos seus acionistas destas mudanças mais relevantes, e o fizeram neste comunicado (que só informa o montante financeiro, todo o resto tivemos que pesquisar em outras fontes oficiais):
Neste ponto, podemos concluir que o medicamento da Hugel, Inc. (Botulax, Letybo) passou a ser vendido pela Global Regulatory Partners (ou Dermadream, a nota fiscal deles sempre vem no nome da Global) numa operação que rendeu para o caixa da Blau a bagatela de USD 7.5 milhões (ou algo perto de uns R$ 40 milhões).
Mas a marca sumiu? Não, e é ai que começa a ter uma falha de comunicação com os clientes finais. Está escrito ai em cima:
A Blau mantém os direitos da marca Botulim e a operação com duas marcas, já que também é detentora da marca Botulift, que foi adquirida em junho de 2023, compondo o portfólio do Laboratório Bergamo.
Agora entramos na segunda parte desta confusão:
A Reviravolta Estratégica: O Fim de uma Era, o Começo da Confusão
Em julho de 2023, a Blau Farmacêutica fez a aquisição do Laboratório Bergamo, do grupo Amgen, por um investimento total de US$ 33,2 milhões, e com isso passou a ter em seu portifólio o Botulift, um medicamento a base de toxina botulínica produzido por outra empresa Sul Coreana, a Medytox.
Em ato continuo, em 2024, a Blau anunciou uma nova parceria com a Medytox pela bagatela de US$ 73 milhões e declarou que focaria seus negócios com a nova parceira.
A Medytox é a maior concorrência da Hugel, Inc, está num segundo lugar no mercado sul coreano e está indiretamente inserida até no mercado americano através do Nabota, outra marca de toxina.
Até aqui, coisa de peixe grande, e coisas de um mercado bilionário.
Mas a partir daí, a Blau iniciou uma série de ações que deliberadamente ofuscaram a transição de marcas e medicamentos:
Não se sabe porque cargas dágua, a Blau Farmaceutica resolveu registrar NOVAMENTE a marca Botulim. Ela recorreu a uma prática regulatória conhecida como registro de clone. A empresa pegou a toxina botulínica da Medytox, que ela já comercializava sob o nome Botulift®, e criou um novo registro para o mesmíssimo produto, mas com o nome de “Botulim”.

Resumo bem resumido até então, pra não se perder na leitura:
O ”Antigo Botulim” Ganha um Novo Nome: O produto original da Hugel foi simplesmente repassado para outra distribuidora, a DermaDream, e rebatizado como Letybo®.
O “Novo Botulim” Nasce como um Clone: Para não perder o “valioso” capital da marca “Botulim”, a Blau não criou um produto novo, mas como era dona da marca, resolveu manter a marca no mercado MESMO ESTE SENDO UM MEDICAMENTO DIFERENTE!
Aqui a coisa fica complicada pros profissionais. Você foi avisado? Nem eu. Teve alguma notificação oficial disso? Não, e se houve foi tão, tão pequeno que sequer atingiu quem interessa. Mas vamos entender porque é um problemão esta mudança, a começar pela manutenção do mesmo nome:
O nome de um medicamento pode ser Reciclado?
A ANVISA em um documento chamado Orientação de Serviço nº 43/2017 indica as orientações para os nomes dos medicamentos. Ali se estabelece que a análise de nomes deve considerar “colidência gráfica e fonética” e avaliar o risco de “erro ou confusão na prescrição, na dispensação, na administração e/ou uso do medicamento” (Art. 4º).
E com base nisso, o que a BLAU Farmaceutica fez mostra uma certa complexidade legal. A reutilização do nome “Botulim” para uma toxina botulínica de outro laboratório, mesmo após cancelamento do registro anterior, pode violar princípios regulatórios.
Embora o registro anterior tenha sido cancelado, a GGMED (Gerência-Geral de Medicamentos) deveria analisar se a reutilização do mesmo nome para um princípio ativo diferente (toxina da Medytox) criaria confusão nos usuário
Mas aí você, pequeno gafanhoto desinformado, me pergunta:
Ora! Foi uma troca simples! Era toxina botulinica antes, continua sendo toxina botulínica agora, é tudo igual!
Aí que você está enganado. Toxina não é tudo igual.
TODAS, TODAS, TODAS as marcas de toxina trazem um texto explicando isso em suas instruções de uso. Inclusive na bula da “antiga Botulim”:
Ausência de intercambialidade entre os produtos contendo toxina botulínica: considerando-se que as unidades de potência da toxina botulínica são específicas aos diferentes produtos, eles não são intercambiáveis entre si. Dessa forma, as unidades de atividade biológica da toxina botulínica não podem ser comparadas ou convertidas em unidades de outro produto contendo toxina botulínica avaliado com outros métodos específicos. Recomenda-se, assim, a anotação da marca do produto, com identificação de lote, na ficha dos pacientes.
Ora, e a própria Blau, que fez a bula do Botulim antigo, sabia disso, porque ela mudou o conteúdo mantendo o mesmo nome?
Tanto sabia disso que na bula do “novo” Botulim está escrito algo parecido:
Falta de permutabilidade entre produtos de toxina botulínica – As unidades de potência da atividade biológica de BOTULIM® não podem ser comparadas a ou convertidas em unidades de nenhum outro produto de toxina botulínica avaliado por qualquer outro método específico de análise.
Deste modo, temos até agora que a Blau colou a etiqueta “Botulim” em um produto completamente diferente que já possuía (o Botulift), e não avisou ninguém, MESMO SABENDO que medicamentos biológicos não são intercambiáveis. Faria algum sentido manter o mesmo nome Botulim se fosse o caso de moléculas sintéticas, mas no caso de biossimilares nunca!
O Não-Marketing
Pior que um marketing ruim é a completa ausência de informação disponivel sobre os medicamentos que usamos em Harmonização Facial.
Ao fazer o que fez, A Blau está se apropriando de toda a confiança, dados clínicos e experiência prática que os médicos associaram ao produto da Hugel e transferindo-os fraudulentamente para o produto da Medytox.
Um profissional que utiliza o “Botulim” hoje, baseando-se em sua experiência passada, está, sem saber, utilizando um biossimilar diferente. Não vem nem a questão deste novo medicamento ser bom ou ruim, simplesmente é diferente.
Isso não é apenas antiético; é uma forma de publicidade enganosa que explora a boa-fé da comunidade de profissionais da saúde que utilizam a Toxina Botulínica. Isso porque, como disse acima, medicamentos biológicos, como a toxina botulínica, não são intercambiáveis.
As formulações da Hugel e da Medytox possuem diferenças em suas proteínas acessórias, processos de purificação e comportamento clínico. Pacientes que se “davam bem” com o antigo Botulim passarão a ter uma nova resposta com o “novo Botulim”, que pode não ser tão positiva.
Mudar de um para o outro sem o conhecimento explícito do médico pode levar a resultados inesperados, desde uma menor eficácia até perfis de difusão diferentes, que podem causar efeitos adversos e complicações.
Ao manter o nome, criou-se uma falsa sensação de segurança e continuidade, desincentivando o cuidado extra (e porque não uma curva de aprendizado diferente) que uma troca de produto exigiria.
Além disso, como fica o processo da Farmacovigilância?
Como um médico pode reportar um evento adverso de forma precisa? Se ele relatar um problema com o “Botulim”, a qual produto ele se refere? Ao da Hugel (pré-janeiro?2025) ou ao da Medytox (pós- janeiro/2025)? Quanto tempo durou o estoque do registro antigo? Foram comercializados ao mesmo tempo pelas mesmas distribuidoras?
Essa confusão toda, que me parece ter sido feita de forma deliberada, sabota a capacidade de rastrear a segurança dos medicamentos no mercado, um pilar fundamental da saúde pública.
A Estratégia do Desprezo pelo cliente
A decisão da Blau Farmacêutica de executar este “jogo de marcas” é uma demonstração de que a estratégia de mercado foi colocada muito acima da transparência, da ética e da segurança do paciente. Ao criar um clone do Botulift para se passar pelo Botulim original, a empresa não apenas confundiu o mercado, mas minou ativamente a relação de confiança que deveria nortear a indústria farmacêutica.
Esta manobra não deveria passar despercebida. Órgãos reguladores, como a Anvisa, deveriam questionar a legalidade de permitir que um mesmo nome comercial seja reciclado para biológicos distintos e não equivalentes.
A comunidade dos profissionais da saúde e os pacientes merecem clareza.
Merecem saber que o nome em uma caixa representa a verdade sobre seu conteúdo, e não apenas o fantasma de um produto que já não existe mais sob aquele rótulo.
Faça o que eu falo, mas não o que eu faço
A evidência mais grave contra a estratégia da Blau, no entanto, não vem de reguladores ou críticos, mas da própria empresa. A análise de seu “Código de Ética e Conduta” (Edição 2023) revela que a manobra com o Botulim não foi apenas uma decisão de negócios questionável, mas uma violação direta dos princípios que a companhia jura publicamente seguir.
O documento, que deveria ser o “Grilo Falante” da corporação, foi completamente ignorado. Vejamos as promessas feitas e as ações tomadas:
A Promessa da Precisão (Página 5):
O Código diz: “Garantimos que nossos medicamentos e produtos são identificados de maneira correta e precisa e que são devidamente providos das informações essenciais e necessárias ao profissional de saúde e ao consumidor...”
A Realidade: A Blau fez o exato oposto. Ao manter o nome “Botulim” para um produto diferente, ela o identificou de maneira incorreta e imprecisa, suprimindo a informação mais essencial de todas: a de que o produto que o profissional confiava não era mais o mesmo.
A Promessa Contra a Propaganda Dúbia (Página 5):
O Código diz: “Repelimos falsas promessas ou qualquer propaganda imprecisa ou dúbia.”
A Realidade: Usar a reputação, a confiança e o legado clínico de um produto para vender outro, biologicamente distinto, é a própria definição de propaganda dúbia. A estratégia se baseia na confusão que a manutenção do nome inevitavelmente cria.
A Promessa da Transparência (Páginas 3 e 8):
O Código diz: “É nosso dever agir com ética, integridade e transparência... conduzimos nossos negócios... em alicerces pautados pela transparência... com nossos... clientes.”
A Realidade: A operação foi deliberadamente opaca. Exigiu uma investigação em diários oficiais e registros da Anvisa para ser compreendida. Uma conduta transparente teria envolvido uma comunicação clara, direta e honesta ao mercado, algo que a empresa ativamente evitou.
Quando as ações de uma companhia contradizem de forma tão visível seu próprio guia ético, o documento deixa de ser um conjunto de princípios e se torna uma peça de marketing vazia.
O “Grilo Falante” da Blau não foi só silenciado. Foi morto a marteladas e sumiram com corpo.
Em tempo: Antes da publicação deste artigo entrei em contato com a Blau através de sua Assessoria de Imprensa, Relações com Investidores e SAC (Serviço de Atendimento ao Consumidor). Recebi retorno exclusivamente da acessoria de imprensa que prometeu que as respostas seriam entregues até dia 11de novembro, depois me solicitou que a publicação fosse adiada pois teria o retorno até hoje inicio da tarde. Até a hora da publicação (17h30) não recebemos nada. Caso tenha mais informações oficiais da empresa, este artigo poderá ser retificado.




