O mercado de estética foi recentemente agitado pelo lançamento de uma “nova” toxina botulínica, a Letybo, introduzida no Brasil pela Dermadream. Com um marketing forte e a promessa de inovação, muitos profissionais ficaram curiosos sobre sua origem, eficácia e diferenciais. No entanto, uma análise mais aprofundada dos registros, fabricantes e estudos científicos revela uma história muito mais complexa. A Letybo não é um produto novo, mas sim um velho conhecido do mercado com uma nova roupagem.
Nesta aula, vamos desvendar a verdadeira identidade da Letybo, baseando-nos em uma investigação que cruza informações de fabricantes, distribuidores e da própria ANVISA, além de analisar criticamente os artigos científicos que acompanham seu lançamento.
O Que Realmente Aconteceu com Botulim e Botulift?
Para entender a Letybo, precisamos voltar um pouco no tempo. A fabricante da Letybo é a empresa sul-coreana Hügel, uma gigante no mercado de estética global. A Hügel produz duas marcas grandes de toxina botulínica: a Botulax, voltada para o mercado asiático, e a Letybo, sua marca para a Europa e Estados Unidos, que agora chega ao Brasil.
O ponto-chave é que o produto por trás da marca Botulax já esteve no Brasil, distribuído pela Blau Farmacêutica sob o nome comercial de Botulim. Muitos profissionais que utilizaram o Botulim no passado notarão a semelhança na embalagem e no padrão visual.
A confusão começou quando a Blau Farmacêutica alterou seu portfólio. Uma consulta no site da ANVISA mostra que o registro original do Botulim (fabricado pela Hügel) foi cancelado e um novo registro, com o mesmo nome “Botulim”, foi aprovado. A grande mudança está no fabricante:
O Botulim “Antigo” (pré-2025): Fabricado pela Hügel, era o produto que hoje é a Letybo.
O Botulim “Novo” (a partir de 2025): Fabricado pela Meditox, é o produto que antes conhecíamos como Botulift (anteriormente distribuído pela Dermadream).
Em resumo, o que aconteceu foi uma troca de produtos entre as distribuidoras, mas com uma confusa manutenção de nomes:
O produto que era o Botulim (Hügel/Blau) virou a Letybo (Dermadream).
O produto que era o Botulift (Medytox/Dermadream) virou o novo Botulim (Blau).
Portanto, a Letybo não é uma toxina nova no mercado, mas sim o retorno de um produto já conhecido, agora com um novo nome e uma nova estratégia de marketing.
A Experiência Clínica e o “Mito” da Baixa Durabilidade
Profissionais que usaram o Botulim “antigo” (agora Letybo) podem se lembrar de uma reputação de que o produto “não durava” ou “era fraco”. Essa percepção, no entanto, provavelmente não se devia a uma falha do produto, mas sim a uma orientação inadequada sobre sua reconstituição.
O problema de muitas toxinas que chegam ao mercado é que elas são apresentadas com um protocolo de diluição baseado na marca de referência, o Botox. Assume-se uma equivalência de 1:1 em unidades, sugerindo uma reconstituição com 2,5 ml para um frasco de 100U para uso cosmético. Contudo, por se tratar de um medicamento biológico, a potência e o comportamento de cada toxina podem variar.
A nossa experiência clínica (ou seja, que vale tanto quanto um pão quente porque não trazemos dados pesquisados) sugere que o Botulim (agora Letybo) se comporta de maneira mais similar ao Xeomin do que ao Botox. Isso significa que, para atingir o mesmo potencial clínico de paralisação e durabilidade, ele provavelmente exige uma reconstituição mais “seca”, ou seja, com um volume menor de diluente. Ao reconstituí-lo como se fosse Botox, os profissionais estavam, na prática, subdosando seus pacientes, o que resultava em um efeito menos intenso e duradouro.
Análise Crítica dos Artigos Científicos do LetibotoxinA
O lançamento da Letybo veio acompanhado da divulgação de artigos científicos para validar sua eficácia. Analisamos os três principais estudos para entender o que eles realmente nos dizem.
1. O Estudo de Fase 3 vs. Placebo
Um dos principais artigos divulgados é um estudo de Fase 3, randomizado, duplo-cego e multicêntrico, comparando a Letybo com um placebo (soro fisiológico). Embora a metodologia pareça robusta e confira um alto nível de evidência, seu propósito é quase exclusivamente regulatório.
O Problema do Placebo: Em estudos com toxina botulínica, o uso de soro fisiológico como placebo é problemático. O efeito de paralisia muscular é tão evidente que, após poucos dias, tanto o paciente quanto o avaliador sabem quem recebeu o produto e quem recebeu o soro. Isso quebra o “cegamento” do estudo.
Conclusão Limitada: A única conclusão real deste estudo é que a Letybo é mais eficaz que soro fisiológico para tratar rugas glabelares. Isso não oferece nenhuma informação útil para a decisão clínica do profissional, que precisa comparar a Letybo com outras toxinas, e não com um tratamento nulo.
2. A Comparação Direta com o Botox
Um estudo mais antigo, de 2014, realizou uma comparação direta entre o produto da Hügel (Botulax/Letybo) e o Botox (OnaBotulinumtoxinA). Este trabalho, um estudo de não inferioridade, é muito mais relevante para a prática clínica. A conclusão foi clara: não houve diferença estatisticamente significativa entre os dois produtos em termos de resultados clínicos e satisfação do paciente. Ou seja, a Letybo é tão eficaz quanto o Botox quando utilizada de forma apropriada.
3. O Estudo de Difusão (Split-Face)
Um terceiro estudo, com metodologia split-face (onde cada lado do rosto de um mesmo paciente recebe um produto diferente), comparou o halo de difusão da Letybo com o do Botox e do Dysport. Usando um teste que mede a área de paralisação das glândulas sudoríparas, os pesquisadores observaram que a Letybo apresentou um halo de difusão menor que as outras duas toxinas.
Este resultado corrobora cientificamente a experiência clínica: para a mesma quantidade de unidades reconstituídas de forma padrão, a Letybo tem uma área de ação mais contida. Isso pode reforça nossa hipótese de que o produto foi historicamente subdosado e que pode exigir uma reconstituição mais concentrada ou um número maior de unidades para alcançar o mesmo resultado clínico do Botox.
Nova Marca, Produto Conhecido
A chegada da Letybo ao Brasil não representa a introdução de uma nova molécula ou tecnologia, mas sim um reposicionamento de mercado. O profissional deve estar ciente de que:
Letybo é o antigo Botulim, fabricado pela Hügel.
A percepção de baixa durabilidade do produto no passado estava provavelmente ligada a uma reconstituição inadequada (subdosagem).
Estudos mostram que sua eficácia é equivalente à do Botox, mas seu perfil de difusão sugere a necessidade de ajustar a técnica de reconstituição.
É fundamental que os profissionais da estética não se deixem levar apenas pelo marketing. Informar-se sobre a origem dos produtos, analisar criticamente a literatura e entender a história das marcas no mercado é essencial para oferecer tratamentos seguros, eficazes e com o melhor custo-benefício para seus pacientes.












