Tá bom. Vou começar pelo que falam por aí: a hidroxiapatita de cálcio, (ou se você aprecia a sopa de letrinhas: Ca10(PO4)6(OH)2) é o componente inorgânico primário do tecido ósseo humano e dos nossos dentes.
Mas aí afirmar que, se colocado em derme, esse mateiral ossifica, calcifica ou deixa o tecido rígido e duro é praticamente um dar um salto duplo twist carpado de olho fechado, que ignora o mínimo da fisiologia tanto do tecido ósseo como da pele.
E é pra isso que estou aqui: pra trazer luz onde as trevas imperam.
Longe de ser um oráculo 🪬🧿, é inegável que, no que tange à ciência e à proliferação de informações na era digital, a internet e as midias sociais, mais recentemente até a inteligência artificial, frequentemente faz com que muitos profissionais inventem suas próprias teorias numa escala impressionante… E este artigo trata de uma delas.
É bom sublinhar que a seleção da hidroxiapatita de cálcio para aplicações clínicas – desde o bioestímulo de colágeno subcutâneo até a regeneração óssea – é fundamentada em sua biocompatibilidade inquestionável e absoluta. Tal característica implica que, por sua natureza, o composto não induz quadros patológicos como muitos “profissionais” proliferam por ai.
E mais: no decorrer desta revisão você, jovem padawan, compreenderá também por que a simples presença do mineral cálcio, isoladamente, não é capaz de transformar pele em osso ou nem deveria causar pânico injustificado em pacientes que buscam o aprimoramento estético, ainda que planejem um futuro lifting facial.
Mas vamos por partes:
Caracterização Físico-Química e a Engenharia de Partículas
Neste momento, é importante que você entenda as diferenças desde a apresentação dos produtos pois essa diferença é essencial para nossa discussão posterior.
Para efeitos didáticos, vou colocar duas formas de apresentação da Hidroxiapatita de Cálcio: uma, feita para estímulo de colágeno, e outra desenvolvida para INTENCIONALMENTE, permitir a formação óssea em condições bastante específicas.
Embora quimicamente idênticos, a morfologia dita a função celular.
Bioestimuladores (Radiesse/Diamond)
Consistem em microesferas de 25 a 45 micrômetros (µm), com superfície lisa e regular, suspensas em gel de carboximetilcelulose (CMC). Pelo formato pequeno e sem “pontas”, que não agridem o tecido além do necessário para sua função, promove uma resposta de corpo estranha mínima e controlada pela degradação programada do material.
Biomateriais para Enxertos Ósseos
Conforme descrito por Araújo & Lindhe, estes materiais possuem partículas macroscópicas (250 a 1000 µm), superfície rugosa e alta porosidade para permitir a migração celular e angiogênese interna.
O Tamanho Importa sim.
Para uma referência, é possivel ver e sentir um grânulo de biomaterial para enxerto. Ele chega a ter milímetro de tamanho. Enquanto o bioestimulador tem partículas bem pequenas, que ao tato parecem muito mais uma “pó bem fino”, mas com o gel de CMC, fica meio com consistência de uma pasta de dentes.
Isso porque a hidroxiapatita de cálcio para bioestímulo (Radiesse, por exemplo) vem com partículas microscópicas com tamanho de 25-45 µm e essa escolha não é aleatória. Ele é projetado para evitar a fagocitose imediata por macrófagos (que possuem ~20 µm), garantindo a permanência do material no tecido, mas é pequeno demais para permitir a colonização por osteoblastos. Primeiro ponto relevante mostrando a impossibilidade da formação óssea a partir do bioestimulador de colágeno.

Quais os pré-requisitos para formação óssea?
Esta é uma parte essencial para o entendimento da segurança de uso da Hidroxiapatita de Cálcio em derme.
Se você imagina que basta injetar hidroxiapatita em qualquer tecido para que o organismo inicie um processo de calcificação ou ossificação, esse raciocínio está absolutamente incorreto.
A formação óssea é um processo de grande complexidade fisiológica. Mesmo quando buscamos esse resultado intencionalmente, como no caso de enxertos para implantes dentários, é mandatório haver um ambiente adequado (o leito do enxerto preparado para receber o enxerto), um biomaterial com propriedades específicas (tamanho, rugosidade, capacidade de osteocondução) e o bioestímulo correto para viabilizar a osteogênese (sinalização das BMPs, as proteínas morfogenéticas ósseas).
Para dimensionar essa complexidade: o leito a ser enxertado deve ser completamente desbridado de células que possam interferir na ossificação, como fibroblastos e tecido de granulação. Se essa limpeza não for adequada, essas células de “tecido mole” — que possuem maior potencial de multiplicação e velocidade de migração comparadas às células osteoprogenitoras (os osteoblastos) — invadem o enxerto e comprometem a formação óssea, gerando fibrose.
A fibrose, em última análise, consiste no acúmulo de colágeno que preenche e conecta os espaços entre os grânulos enxertados. Já ouviu isso em algum lugar? Talvez no mecanismo de ação dos bioestimuladores de colágeno? Pois então…
Pra completar o tal ambiente ideal, visando minimizar a possibilidade de infiltração tecidual do conjuntivo, muitas vezes o biomaterial tem que ser isolado mecanicamente das células do tecido mole por uma membrana. Isso sem contar que as partículas do enxerto devem ficar imóveis durante todo o processo de regeneração (são muitas condições a serem preenchidas, algo impossivel com algo injetável, concorda?).
E mais: é relevante notar também que o tecido resultante em uma área enxertada difere do osso nativo. Frequentemente, o que obtemos é um tecido misto, com características osteoides e presença do biomaterial residual, comportando-se biologicamente como osso para fins de suporte, mas distinto do tecido ósseo em sua concepção histológica estrita.
Ou seja, mesmo em sítios receptores ideais, não ocorre uma regeneração óssea ad integrum (completa), mas sim a formação de um tecido híbrido funcional.

Então se não forma osso, pode só calcificar o tecido? Não. E isso vamos explicar aqui:
Ossificação versus Calcificação Distrófica
Mas eu nunca disse que formava osso, eu afirmei que os bioestimuladores à base de CaHA CALCIFICAM o tecido.
Já ouvi essa afirmação mais de uma vez, feitas por profissionais de diferentes formações.











