A intersecção entre estética e odontologia tem se tornado um campo cada vez mais debatido, especialmente com o crescimento exponencial de procedimentos como a bichectomia. Este cenário nos leva a uma reflexão sobre os limites da prática odontológica e a responsabilidade dos profissionais diante das demandas crescentes por procedimentos estéticos.
A Tirania das Tendências na Prática Odontológica
O fenômeno da "odontologia de tendências" tem se manifestado de maneira preocupante no cenário atual. A proliferação de procedimentos estéticos nas redes sociais, especialmente a bichectomia, tem criado uma demanda artificial baseada mais em modismos do que em necessidades reais dos pacientes. Este comportamento levanta questões éticas importantes sobre a responsabilidade dos profissionais em equilibrar as demandas do mercado com a verdadeira necessidade clínica.
A bichectomia, em particular, tem se tornado um símbolo desta nova era da harmonização facial (ou orofacial), onde procedimentos são popularizados mais pela sua presença nas mídias sociais do que por sua real indicação terapêutica. É preocupante observar como a odontologia parece, em alguns momentos, reduzir-se a três principais tópicos: estética orofacial, bichectomia e lentes de contato, deixando de lado aspectos fundamentais da saúde.
Os Desafios da Regulamentação e Prática Profissional
A questão da regulamentação destes procedimentos estéticos na odontologia permanece um tema controverso. A ausência de uma regulamentação específica para procedimentos como a bichectomia cria um cenário de insegurança jurídica, onde os profissionais navegam em uma área cinzenta entre o permitido e o não regulamentado.
O conceito de "estético-funcional", criado como uma tentativa de legitimar certos procedimentos, apresenta-se como uma solução questionável para um problema mais profundo: a necessidade de estabelecer limites claros entre procedimentos puramente estéticos e aqueles com real indicação terapêutica.
A realização de procedimentos como a bichectomia envolve riscos significativos que vão muito além das preocupações estéticas. A proximidade com estruturas anatômicas importantes, como nervos e vasos sanguíneos, demanda um conhecimento profundo e uma técnica precisa, aspectos que frequentemente são subestimados no afã de atender à demanda do mercado.
A complexidade anatômica da região onde se realiza a bichectomia, envolvendo quatro sistemas principais do organismo - muscular, circulatório, nervoso e digestivo - exige uma abordagem cautelosa e tecnicamente precisa. As complicações, quando ocorrem, podem variar desde problemas temporários até sequelas permanentes.
Um aspecto particularmente preocupante é a tendência de minimizar a complexidade destes procedimentos. A "soberba profissional", como mencionado na discussão, pode levar a uma subestimação dos riscos e, consequentemente, a complicações evitáveis.
O modismo na odontologia estética também levanta questões sobre a temporalidade dos resultados e a satisfação a longo prazo dos pacientes. O que é considerado esteticamente desejável hoje pode não o ser em um futuro próximo, criando um ciclo potencialmente prejudicial de intervenções desnecessárias.
A formação profissional adequada emerge como um ponto crucial neste debate. A realização de procedimentos estéticos complexos demanda não apenas conhecimento técnico, mas também uma compreensão profunda das implicações éticas e das responsabilidades envolvidas.
Por fim, é fundamental resgatar o papel primordial da odontologia como uma ciência da saúde, onde as decisões clínicas devem ser baseadas em evidências científicas e necessidades reais dos pacientes, não em tendências passageiras ou pressões do mercado. A busca pelo equilíbrio entre as demandas estéticas e a responsabilidade profissional continua sendo um dos maiores desafios da odontologia contemporânea.
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