O uso de scanners intraorais (IOS) na prática odontológica diária requer uma compreensão não apenas da tecnologia subjacente, mas também das considerações clínicas práticas que afetam seu uso eficaz. Estas considerações incluem o manuseio adequado do dispositivo, a curva de aprendizagem associada à sua adoção e as estratégias de escaneamento que podem otimizar os resultados.
Manuseio
O manuseio adequado de um scanner intraoral é crítico na hora de obter resultados precisos e consistentes. Vários fatores influenciam o manuseio eficaz:
Ergonomia: O design ergonômico do scanner é essencial para o conforto do operador durante o uso prolongado. Scanners mais leves e com pontas menores geralmente são mais fáceis de manusear, especialmente em áreas de difícil acesso na cavidade oral. A distribuição do peso do dispositivo e o design da empunhadura também afetam significativamente o conforto do operador.
Distância de escaneamento: Cada scanner tem uma distância ideal de trabalho da superfície a ser escaneada. Esta distância geralmente varia entre 5 e 30 mm, dependendo do dispositivo específico e da tecnologia utilizada. Manter esta distância consistente durante todo o processo de escaneamento é crucial para obter resultados precisos.
Velocidade de movimento: A velocidade com que o operador move o scanner sobre as superfícies dentárias pode afetar significativamente a qualidade do escaneamento. Movimentos muito rápidos podem resultar em perda de dados ou distorção, enquanto movimentos muito lentos podem levar a um acúmulo excessivo de dados, aumentando o tempo de processamento.
Estabilidade: Minimizar o movimento da mão durante o escaneamento é essencial para obter imagens nítidas e precisas. Algumas técnicas, como apoiar a mão ou os dedos em estruturas estáveis na boca do paciente, podem ajudar a manter a estabilidade.
Controle de umidade: A presença de saliva ou sangue pode interferir na qualidade do escaneamento. O uso adequado de sistemas de sucção e retratores de tecidos moles é importante para manter o campo operatório seco e visível.
Curva de Aprendizagem
A adoção de scanners intraorais na prática clínica envolve uma curva de aprendizagem significativa. Vários estudos têm investigado este aspecto:
Tempo de escaneamento: Inicialmente, o tempo necessário para realizar um escaneamento completo pode ser consideravelmente maior do que para uma impressão convencional. No entanto, estudos mostram que este tempo diminui significativamente com a prática. Por exemplo, um estudo comparou as curvas de experiência entre o escaneamento inicial e após repetidos escaneamentos usando dois IOS com tecnologia confocal. Descobriu-se que, embora o tempo de escaneamento diminuísse com o treinamento para ambos os scanners, o tempo médio de escaneamento para um modelo (Trios) era sempre mais curto do que para outro (iTero).
Qualidade do escaneamento: À medida que os operadores se familiarizam com o dispositivo, não apenas a velocidade, mas também a qualidade dos escaneamentos tende a melhorar. Isto se reflete em menos artefatos, melhor captura de detalhes e menos necessidade de reescaneamento.
Adaptação ao software: Além do manuseio físico do scanner, os operadores também precisam se familiarizar com o software associado. Isto inclui aprender a navegar na interface do usuário, realizar edições nos escaneamentos e exportar os arquivos nos formatos apropriados.
Variabilidade entre sistemas: Diferentes sistemas de IOS podem ter curvas de aprendizagem distintas. Alguns podem ser mais intuitivos e fáceis de aprender, enquanto outros podem oferecer mais recursos avançados, mas com uma curva de aprendizagem mais longa.
Treinamento e suporte: O nível de treinamento e suporte oferecido pelo fabricante pode influenciar significativamente a curva de aprendizagem. Programas de treinamento abrangentes e suporte técnico contínuo podem ajudar a acelerar o processo de aprendizagem.
Estratégias de Escaneamento
As estratégias de escaneamento referem-se aos padrões de movimento específicos utilizados para capturar a geometria completa da área de interesse. Estas estratégias podem variar dependendo do sistema específico utilizado e da área a ser escaneada:
Escaneamento de arco completo
Para escaneamentos de arco completo, diferentes estratégias são descritas pelos fabricantes. Uma abordagem comum é iniciar com um movimento linear em todas as superfícies oclusais-palatinas, seguido pelas superfícies vestibulares e linguais. Outra estratégia envolve fazer um movimento em S nas faces vestibular, oclusal e lingual de cada dente sucessivamente.
Escaneamento de quadrante
Para escaneamentos de quadrante, uma estratégia comum é começar pela superfície oclusal do dente mais posterior, movendo-se para a frente, e então capturar as superfícies vestibular e lingual.
Escaneamento de preparo individual
Ao escanear um preparo individual, muitos operadores acham útil começar com o dente preparado e então expandir para os dentes adjacentes e antagonistas.
Captura de detalhes
Áreas com detalhes finos ou margens de preparo podem requerer escaneamentos adicionais de ângulos específicos para garantir uma captura adequada.
Adaptação a características anatômicas
A estratégia de escaneamento pode precisar ser adaptada para lidar com características anatômicas desafiadoras, como dentes mal alinhados, toros ou uma linha do sorriso alta.
A estratégia ótima pode variar dependendo da tecnologia específica do scanner. Por exemplo, scanners baseados em vídeo podem permitir movimentos mais fluidos e contínuos, enquanto outros podem exigir uma abordagem mais metódica e segmentada.
Estratégias para manejar tecidos moles, como o uso de retratores ou técnicas de afastamento gengival, podem ser necessárias para garantir uma captura adequada das margens subgengivais.
É importante notar que, embora existam diretrizes gerais, a estratégia de escaneamento ideal pode variar entre diferentes sistemas e operadores. A prática e a experiência geralmente levam ao desenvolvimento de técnicas personalizadas que funcionam melhor para cada indivíduo e situação clínica específica.
Precisão dos modelos digitais
As estratégias de escaneamento desempenham um papel crucial na precisão e eficiência do processo de captura digital da cavidade oral. A escolha da estratégia de escaneamento pode afetar significativamente a qualidade do modelo digital resultante, influenciando fatores como a precisão, o tempo de escaneamento e a facilidade de uso.
Estratégia Linear:
Esta abordagem envolve um movimento contínuo ao longo das superfícies oclusais, seguido pelas superfícies vestibulares e linguais/palatinas. É frequentemente recomendada para scanners baseados em vídeo.
Impacto na precisão: Pode resultar em boa precisão para arcos completos, mas pode perder detalhes em áreas interproximais.
Estratégia em S:
Nesta técnica, o operador faz um movimento em forma de S, cobrindo as superfícies vestibular, oclusal e lingual de cada dente sucessivamente.
Impacto na precisão: Pode capturar melhor os detalhes interproximais, mas pode levar a distorções se o movimento não for suave.
Estratégia de Quadrantes/Sextantes:
Envolve escanear um quadrante ou sextante de cada vez, geralmente começando com as superfícies oclusais e então movendo-se para as superfícies vestibulares e linguais/palatinas.
Impacto na precisão: Pode resultar em alta precisão para áreas menores, mas pode levar a erros cumulativos em escaneamentos de arco completo.
Estratégia de Escaneamento Adaptativo:
Alguns scanners mais avançados permitem que o operador adapte a estratégia de escaneamento em tempo real, baseando-se no feedback visual do software.
Impacto na precisão: Potencialmente oferece a melhor precisão, pois permite ajustes baseados nas características específicas da dentição do paciente.
Fatores que afetam a qualidade e precisão dos escaneamentos
A qualidade e precisão dos escaneamentos intraorais são influenciadas por diversos fatores relacionados tanto às propriedades dos tecidos orais quanto às condições do ambiente de escaneamento. Compreender esses fatores é crucial para otimizar o processo de escaneamento e obter modelos digitais precisos.
Reflexão
Superfícies dentárias altamente reflexivas, como esmalte polido ou restaurações metálicas, podem causar problemas significativos para muitos scanners intraorais. A reflexão excessiva pode resultar em áreas brilhantes na imagem, levando a dados imprecisos ou ausentes.
Impacto: Pode resultar em áreas mal capturadas ou distorcidas no modelo digital.
Mitigação: Alguns sistemas utilizam filtros polarizadores para reduzir o brilho. Ajustar o ângulo de escaneamento também pode ajudar.
Translucidez
Materiais dentários translúcidos, como esmalte ou cerâmicas, podem dificultar a determinação precisa da superfície pelo scanner.
Impacto: Pode levar a imprecisões na representação da superfície do dente.
Mitigação: Scanners mais avançados utilizam algoritmos específicos para lidar com materiais translúcidos.
Movimento
O movimento do paciente ou do operador durante o escaneamento pode causar distorções significativas no modelo digital.
Impacto: Pode resultar em artefatos de movimento ou desalinhamento de imagens.
Mitigação: Usar apoios para estabilizar a mão do operador e instruir o paciente a permanecer o mais imóvel possível.
Saliva e Umidade
A presença de saliva ou umidade excessiva pode interferir na captura precisa da superfície dental.
Impacto: Pode criar distorções ou áreas mal capturadas no modelo digital.
Mitigação: Uso adequado de sistemas de sucção e técnicas de controle de umidade.
Tecidos Moles
Movimentos da língua, bochechas ou lábios podem interferir no processo de escaneamento.
Impacto: Pode resultar em áreas mal capturadas ou distorcidas, especialmente nas regiões proximais e subgengivais.
Mitigação: Uso de retratores e técnicas adequadas de manejo de tecidos moles.
Profundidade de Campo
A capacidade do scanner de capturar superfícies em diferentes profundidades pode afetar a precisão em áreas com variações significativas de altura.
Impacto: Pode resultar em perda de detalhes em áreas profundas ou estreitas.
Mitigação: Escolher scanners com boa profundidade de campo e utilizar estratégias de escaneamento que otimizem a captura de todas as profundidades.
Características Anatômicas
Variações anatômicas como dentes mal alinhados, toros ou palato profundo podem dificultar o escaneamento.
Impacto: Pode resultar em áreas mal capturadas ou exigir mais tempo de escaneamento.
Mitigação: Adaptar a estratégia de escaneamento às características específicas do paciente.
Presença de Materiais Restauradores
Diferentes materiais restauradores (metais, cerâmicas, compósitos) podem afetar a captura de imagem de maneiras distintas.
Impacto: Pode resultar em variações na qualidade do escaneamento em diferentes áreas da boca.
Mitigação: Estar ciente das propriedades ópticas dos diferentes materiais e ajustar a técnica de escaneamento conforme necessário.
Experiência do Operador
A habilidade e experiência do operador em manejar o scanner e seguir protocolos adequados têm um impacto significativo na qualidade do escaneamento.
Impacto: Pode afetar a precisão geral, o tempo de escaneamento e a necessidade de repetições.
Mitigação: Treinamento adequado e prática contínua para melhorar a técnica de escaneamento.
Compreender e gerenciar adequadamente esses fatores é essencial para maximizar a qualidade e precisão dos escaneamentos intraorais. À medida que a tecnologia evolui, muitos desses desafios estão sendo abordados através de melhorias no hardware e software dos scanners, mas a técnica e o conhecimento do operador continuam sendo componentes cruciais para o sucesso do escaneamento digital intraoral.
Avaliação da precisão dos scanners intraoraiss
A avaliação da precisão dos scanners intraorais é um aspecto crítico para determinar sua eficácia clínica e comparar diferentes sistemas. Esta avaliação envolve a compreensão de conceitos fundamentais como exatidão e precisão, bem como a aplicação de métodos de medição rigorosos.
Definições Fundamentais
Exatidão (Trueness)
A exatidão refere-se à proximidade entre o resultado de uma medição e o valor verdadeiro da grandeza específica sujeita à medição. No contexto de scanners intraorais, a exatidão indica o quão próximo o modelo digital está da geometria real da dentição do paciente.
Precisão
A precisão refere-se ao grau de concordância entre os resultados de medições sucessivas do mesmo mensurando sob condições especificadas. Para scanners intraorais, a precisão indica a consistência ou reprodutibilidade dos escaneamentos repetidos.
Acurácia
A acurácia é um termo geral que engloba tanto a exatidão quanto a precisão. Um scanner intraoral acurado produz modelos digitais que são tanto exatos (próximos à realidade) quanto precisos (consistentes entre escaneamentos repetidos).
A avaliação da precisão dos scanners intraorais é um campo complexo e em evolução. Enquanto métodos cada vez mais sofisticados são desenvolvidos para quantificar e analisar a precisão, é crucial manter o foco na relevância clínica dessas medições. A padronização de protocolos de teste, a consideração de condições clínicas reais e a avaliação do impacto de novas tecnologias são áreas-chave para o desenvolvimento futuro. À medida que os scanners intraorais continuam a evoluir e se tornar mais integrados na prática odontológica, métodos robustos e clinicamente relevantes para avaliar sua precisão serão cada vez mais importantes para garantir resultados ótimos para os pacientes.
Limitações dos scanners intraorais atuais
Os scanners intraorais têm revolucionado diversos aspectos da prática odontológica, oferecendo novas possibilidades e melhorando a eficiência em muitos procedimentos. No entanto, como qualquer tecnologia, eles também apresentam certas limitações que devem ser consideradas.
1. Escaneamento de Arco Completo:
A precisão pode diminuir em escaneamentos de arco completo, especialmente em scanners mais antigos, devido ao acúmulo de erros durante o processo de "stitching" das imagens.
2. Captura Subgengival:
A captura de margens subgengivais profundas ainda é um desafio para muitos sistemas, podendo requerer técnicas adicionais de retração gengival.
3. Pacientes com Abertura Bucal Limitada:
O tamanho da ponta do scanner pode dificultar o acesso em pacientes com abertura bucal limitada ou em áreas posteriores de difícil acesso.
4. Curva de Aprendizagem:
A adoção de scanners intraorais requer um período de adaptação e treinamento, o que pode ser um obstáculo inicial para alguns profissionais.
5. Custo Inicial:
O investimento inicial em equipamentos e software pode ser significativo, embora os custos tenham diminuído nos últimos anos.
6. Dependência Tecnológica:
A necessidade de atualizações de software e manutenção regular pode ser um desafio em algumas situações clínicas.
7. Limitações em Casos Complexos:
Para reabilitações complexas de arco completo ou casos com múltiplos implantes, as impressões convencionais ainda podem ser preferidas por alguns clínicos devido à sua confiabilidade comprovada.
8. Captura de Tecidos Moles:
Alguns sistemas têm dificuldade em capturar com precisão a textura e os detalhes dos tecidos moles, o que pode ser importante em certos casos estéticos.
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