A revolução digital na odontologia trouxe consigo uma série de avanços tecnológicos, dentre os quais se destaca o uso de scanners intraorais (IOS) para a geração de modelos 3D digitais. Este artigo explora o processo de criação desses modelos, desde a captura inicial até o arquivo final, bem como as características, vantagens e desvantagens dos formatos de arquivo mais comuns utilizados na odontologia digital.
O Processo de Geração de Modelos 3D
Captura de Dados
O processo inicia-se com a captura de dados da cavidade oral do paciente. Os scanners intraorais utilizam diferentes tecnologias para este fim, incluindo triangulação, microscopia confocal, Active Wavefront Sampling (AWS) e estereofotogrametria. Cada tecnologia tem suas particularidades, mas todas visam capturar com precisão a geometria das estruturas dentais e dos tecidos moles adjacentes.
Reconstrução 3D
Após a captura, inicia-se o processo de reconstrução 3D. O software do scanner processa as imagens ou vídeos capturados para identificar pontos de interesse (POI) em cada captura. Um dos maiores desafios nesta etapa é a combinação de POIs tomados sob diferentes ângulos.
Algoritmos sofisticados são utilizados para calcular a similaridade entre diferentes imagens e definir POIs coincidentes. Estes POIs podem ser encontrados pela detecção de áreas de transição, como curvaturas fortes, limites físicos ou diferenças de intensidade de cinza. Uma matriz de transformação é então calculada para avaliar a similaridade entre todas as imagens, considerando fatores como rotação e escala.
Geração da Malha
Após a identificação e a combinação dos POIs, o software gera uma nuvem de pontos 3D. Esta nuvem de pontos é então convertida em uma malha poligonal, geralmente composta por triângulos, que representa a superfície do objeto escaneado. A densidade desta malha pode variar dependendo da complexidade da área escaneada e da resolução desejada

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Processamento do Software
O software desempenha um papel crucial no processo de geração do modelo 3D. Além de realizar a reconstrução inicial, ele também é responsável por:
Filtragem e suavização da malha para remover ruídos e artefatos.
Preenchimento de lacunas na malha onde os dados podem estar faltando.
Otimização da malha para reduzir o tamanho do arquivo sem comprometer a precisão.
Aplicação de textura e cor, se o scanner for capaz de capturar essas informações.
Muitos softwares de escaneamento intraoral também incluem ferramentas para análise e manipulação do modelo, como medição de distâncias, avaliação de preparos dentários e planejamento de tratamento.
Formatos de Arquivo
Após a geração do modelo 3D, ele precisa ser salvo em um formato de arquivo que possa ser utilizado por outros softwares no fluxo de trabalho digital odontológico. Os três formatos mais comumente utilizados são STL, PLY e OBJ. Cada um desses formatos tem sua própria história, características e aplicações tanto na odontologia quanto em outros campos.
STL (Standard Tessellation Language)
O STL foi desenvolvido pela 3D Systems em 1987 como parte de seu software de estereolitografia. É o formato mais amplamente utilizado e aceito na odontologia digital e na impressão 3D em geral. Fora da odontologia, o STL é extensivamente utilizado em prototipagem rápida, manufatura aditiva e engenharia reversa. Sua simplicidade e robustez o tornaram o padrão de facto para a maioria das aplicações de impressão 3D.
O STL representa a superfície do modelo como uma malha de triângulos interconectados. Cada triângulo é definido por três vértices e um vetor normal, fornecendo uma representação simples mas eficaz da geometria do objeto. A complexidade do caso, o software do scanner intraoral e a resolução do scan podem influenciar o número de facetas (triângulos) necessárias para cobrir adequadamente a superfície 2D do scan. Esta abordagem permite uma representação precisa da geometria, mas não inclui informações sobre cor, textura ou outras propriedades do material.
Vantagens:
Amplamente suportado por softwares CAD/CAM odontológicos.
Tamanho de arquivo relativamente pequeno.
Simples e robusto.
Desvantagens:
Não suporta informações de cor ou textura.
Pode resultar em arquivos grandes para objetos muito complexos.
PLY (Polygon File Format)
O formato PLY, também conhecido como Polygon File Format ou Stanford Triangle Format, foi desenvolvido na Universidade de Stanford por Greg Turk em 1994. Inicialmente concebido para armazenar dados de scanners 3D, o PLY rapidamente se tornou popular em campos além da odontologia, como computação gráfica e visualização científica.
O PLY utiliza uma rede de triângulos definidos, onde cada triângulo é caracterizado por seus vértices, face e aresta. Uma característica distintiva do PLY é sua capacidade de armazenar informações adicionais em cada vértice, como cor e textura. Isso permite uma representação mais rica e detalhada do objeto escaneado. Apesar dessa capacidade adicional, os arquivos PLY geralmente resultam em tamanhos menores que os STL equivalentes, mantendo alta precisão e detalhes. Esta eficiência de armazenamento, combinada com a flexibilidade de dados que pode conter, torna o PLY uma escolha interessante para aplicações que requerem mais do que apenas informações geométricas.
Vantagens:
Pode armazenar informações de cor e transparência.
Suporta tanto representações poligonais quanto de nuvem de pontos.
Flexível, permitindo a inclusão de propriedades personalizadas.
Desvantagens:
Menos amplamente suportado que o STL em softwares odontológicos.
Pode resultar em arquivos maiores que o STL quando incluídas informações adicionais.
OBJ (Wavefront Object)
O formato OBJ foi desenvolvido pela Wavefront Technologies nos anos 1980 para seu pacote de animação Advanced Visualizer. Embora a Wavefront Technologies não exista mais, o formato OBJ continua sendo amplamente utilizado em várias indústrias. Fora da odontologia, o OBJ é extensivamente empregado em modelagem 3D, animação, desenvolvimento de jogos e aplicações de realidade virtual.
O formato OBJ é um formato de arquivo geométrico que inclui a posição de cada vértice, as coordenadas UV de texturas, normais e as faces que compõem cada polígono. Além da malha de triângulos básica, o OBJ também inclui uma coleção de normais de superfície, o que permite uma renderização mais precisa e realista do objeto. Uma característica distintiva do OBJ é sua capacidade de conter informações detalhadas de cor e textura, bem como informações geométricas mais complexas como curvas e superfícies. Isso o torna ideal para aplicações em odontologia que requerem uma representação visual muito precisa, como o planejamento de tratamentos estéticos complexos.

Vantagens:
Pode incluir informações de cor e textura.
Amplamente suportado em softwares de modelagem 3D.
Pode representar superfícies livres e objetos sólidos.
Desvantagens:
Menos comum em softwares odontológicos específicos.
Pode resultar em arquivos maiores que o STL, especialmente se incluir informações de textura.
Considerações Clínicas
A escolha do formato de arquivo pode impactar significativamente o fluxo de trabalho clínico e o resultado final do tratamento odontológico. Algumas considerações importantes incluem:
Precisão: Para procedimentos que exigem alta precisão, como a fabricação de coroas ou pontes, o formato STL pode ser suficiente e é amplamente aceito. No entanto, para casos estéticos complexos, formatos que preservam informações de cor e textura, como PLY ou OBJ, podem ser preferíveis.
Compatibilidade: É crucial verificar a compatibilidade do formato escolhido com o software CAD/CAM utilizado pelo laboratório ou clínica. STL geralmente oferece a maior compatibilidade.
Tamanho do arquivo: Para transmissão rápida de dados ou armazenamento eficiente, o PLY pode ser vantajoso devido ao seu tamanho de arquivo geralmente menor e com mais informações
Detalhes estéticos: Para casos que requerem reprodução precisa de cor e textura, como na odontologia estética, PLY ou OBJ podem oferecer vantagens significativas.
Complexidade do caso: Para casos complexos envolvendo múltiplos dentes ou arcadas completas, formatos que permitem maior detalhamento, como PLY ou OBJ, podem ser benéficos.
Para finalizar
À medida que a tecnologia de escaneamento intraoral continua a evoluir, podemos esperar melhorias significativas na precisão e na capacidade de captura de detalhes. Isso pode levar ao desenvolvimento de novos formatos de arquivo ou à evolução dos formatos existentes para acomodar essas melhorias.
Além disso, a integração de inteligência artificial e aprendizado de máquina no processo de geração de modelos 3D pode levar a melhorias na automação do processo, redução de artefatos e aumento da precisão geral.
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